| "A primeira vez que ouvi falar sobre Maçonaria, tinha eu uns 15 anos. Meu pai comentava, de vez em quando, que sempre tivera desejo de ser Maçom, mas nunca conseguira. Hoje eu sei por que meu pai não conseguiu ser Maçom. Ele era um homem de gênio violento, tendo respondido processo por crimes de morte. Ele, porém, nunca soube que esse foi o principal motivo que barrou seu ingresso nesta Ordem.
A segunda vez, eu tinha então 17 anos, foi em Jaguapitã. Desta vez, a crendice e o boato trouxeram até mim o nome da Maçonaria. Creio que nessa época, ingenuamente, abominei-a. O que chegou aos meus ouvidos e que acreditei, pois se apresentava como se fosse o de verdade, é que a Maçonaria era o espectro sinistro da maldade. Eu conto por quê.
Conheci em Jaguapitã um barbeiro por nome de Altino. Altino não sei de quê. Foi ele o primeiro barbeiro a encostar uma navalha em meu rosto para raspar as minhas primeiras penugens de uma incipiente barba. Talvez, por isso, eu lhe dedicasse imensa afeição. Altino era querido por todos na cidade. Um dia correu o boato que Altino havia ingressado na Maçonaria. Até aí, nada demais. Porém foi grande a surpresa, quando uns seis meses após, Altino aparece com a garganta secionada por um golpe de navalha, dentro de seu próprio banheiro, e o bilhetinho de praxe tão usado pelos suicidas.
Foi ai, então, que surgiu o boato negativo da Maçonaria (negativo para mim, é claro) de que o barbeiro Altino se arrependera de se ter tornado Maçom e quisera sair. A Maçonaria, porém, o colocara num dilema: suicidar-se ou ser morto por ela: Altino escolhera a primeira alternativa. Esse boato me chocou, de verdade.
Outro contato foi anos depois, na mesma cidade, também, desta vez, negativo. Negativo no meu modo de pensar daquela época. Hoje já posso compreender o sucedido. Mas voltemos ao fato em pauta. Um indivíduo, de quem não me lembro o nome, genro do Sr. Miguel Martins, homem de grandes posses, assassinou Mario Martins, também genro do Sr. Miguel Martins, nas barbas de um tenente da polícia, que não lhe deu voz de prisão, deixando-o fugir impune. O boato que circulou foi de que o assassino era Maçom e o Tenente também era, não podendo, por isso, prendê-lo.
Tempos depois, lendo um livro, que hoje reputo como sendo um punhado de asneiras impresso – cujo título era “Horas de Combate”, escrito por um Padre católico, tão medíocre que até o próprio título do livro plagiava de Guerra Junqueiro, livro que tive o capricho de trazê-lo aqui, está ali na sala dos Passos Perdidos, sobre a mesa, quisera que o respeitável Mestre me possibilitasse a leitura em Loja, de um capítulo que se refere à Maçonaria.
Hoje a leitura desse capítulo me causa risos. Naquela época não. Naquela época dei um crédito ilimitado às estultices do vigário.
Depois, com a minha sede de conhecimentos, com a voracidade com que devorava livros e mais livros, fui, aos poucos, tomando conhecimento, através dos livros de história e de literatura, do papel preponderante da Maçonaria na nossa história. Apesar dos escritores que a ela se referiram – talvez para não melindrar o clero – tenham feito referências vagas, incompletas mesmos, consegui formular um conceito positivo da Maçonaria.
Há quase dois anos, quando empilhados no fundo de um cárcere, por crime de nacionalismo, juntamente com três amigos, dois dos quais, hoje meus Irmãos, José das Neves Neto e José Barreto dos Santos, meu padrinho, conversando, felizmente não nos proibiram de conversar dentro da cela –, José Barreto, Maçom entusiasta, quase fanático pela nossa sublime Ordem, ia nos esclarecendo sobre as finalidades da Maçonaria, como trabalhava e para que trabalhava. Pontos como a amizade maçônica, a solidariedade para com os povos oprimidos, a luta pela emancipação do homem brasileiro e seu ideal progressista, casavam com os pontos básicos dos meus ideais.
Numa cela, quando os assuntos se esgotam, nós nos pomos a falar de nós mesmos. Isso nos leva a revelar tudo o que fomos, o que somos e o que pensamos em relação a tudo e a todos. Foi assim que numa noite, após esmiuçarmos nossas vidas e nossos ideais nos mínimos detalhes, o Irmão José Barreto, nacionalista como nós outros, e preso pelo mesmo crime, nos propôs continuarmos a nossa luta dentro da Maçonaria, pois que os nossos ideais e os ideais da Maçonaria são um só. O pacto foi feito e foi cumprido.
José Barreto dos Santos cumpriu sua promessa, agora cabe a mim e a José das Neves Neto cumprir a nossa, isto é, unirmos aos demais Irmãos Maçons, na luta iniciada pelo grande Maçom Tiradentes em prol da emancipação econômica, política e social de nossa Pátria.
Irmão Barreto e demais Irmãos. Eu agradeço, do fundo do meu coração, a oportunidade que vós me destes de lutar convosco, de convosco sofrer as vicissitudes que o mundo nos prepara. Irmão Barreto, farei tudo para ser digno da confiança que, um dia, no fundo de um cárcere, depositastes em mim.
Esta é a minha profissão de fé maçônica.
Assis Carvalho." |