| "Se o Marquês de Barbacena não ignorasse tudo sobre o dispositivo inimigo na região do Passo do Rosário, no rio Santa Maria, a batalha de 20 de fevereiro de 1827 converter-se-ia em desastre para as forças de Alvear. É que ele se colocou em situação desvantajosa, tendo à retaguarda um rio cheio, que permitia apenas a passagem a nado; no flanco direito uma várzea baixa e alagadiça, e no esquerdo, uma região de alturas, sem nenhuma via de transporte aproveitável. Na frente, nas estradas Cacequi-Rosário e São Gabriel-Rosário, marchavam as forças brasileiras, imprensando-o de encontro ao rio Santa Maria.
Mais tarde declarou o General argentino que pretendia atrair as forças brasileiras para a passagem do Santa Maria, simulando uma retirada. A justificação era pouco aceitável, pois o terreno era desfavorável àquele tipo de manobra. O campo de batalha, de maneira geral, resumia-se praticamente a duas linhas de coxilhas, no sentido norte-sul, separadas por vale estreito, conhecido como sanga do Barro Negro, um obstáculo natural que, parece, na época só permitia a passagem em alguns lugares. Ao sul dessa região existia uma várzea alagadiça, por onde descia o arroio Ituzaingó ou Imbaé, procurando o rio Santa Maria. A sanga do Barro Negro corria mais próxima das coxilhas do leste, deixando maiores espaços para ao lado oeste. Favorecia o emprego ofensivo da cavalaria argentina, e a defesa, pela infantaria, da posição brasileira. O exército brasileiro em campanha, em que predominava a infantaria, dispunha de posição favorável ao emprego dessa arma, proporcionando condições mais favoráveis a uma retirada do que a posição argentina.
O exército argentino, ao alvorecer do dia 20 de fevereiro, tomou posição com o 5º Batalhão da Divisão Olazábal em 1º escalão, sobre a região chamada do Cirillo, ao norte da estrada de Cacequi. Enquadraram-se as divisões de cavalaria orientais, a de Laguna, ao norte, e as restantes, sob o comando de Lavalleja, ao sul. O grosso das forças de Alvear estava a oeste, a cavaleiro da estrada. O exército brasileiro chegou ao campo de batalha pela estrada velha de São Gabriel e desdobrou-se para a direita. A 1ª Divisão, comandada pelo Brigadeiro Sebastião Barreto Pereira Pinto, marchou para o norte até tomar posição na estrada de Cacequi. A 2ª, do General João Crisóstomo Calado, colocou-se no flanco sul, frente à cavalaria de Lavalleja. As brigadas ligeiras do Marechal José dos Santos Abreu e do Coronel Bento Gonçalves cobriam os flancos esquerdos e direito do dispositivo imperial.
Desconhecido exatamente o efetivo e o valor do inimigo à sua frente, e na crença de que ali se achava apenas uma parte, decidiu o Marquês de Barbacena lançar o ataque com as duas divisões de primeiro escalão. Os brasileiros atravessaram a sanga, progredindo em direção ao inimigo. Para barrar o avanço da Divisão Barreto, Alvear lançou sucessivamente a Divisão Laguna, os regimentos de cavalaria do General Frederico Brandzen e do Coronel José Maria Paz e três batalhões de caçadores. A Divisão Barreto repeliu todos esses ataques, retraindo-se depois para sua posição inicial, em virtude de ter o flanco direito, protegido por Bento Gonçalves, sob ameaça de envolvimento, já que sua brigada cedera ante violenta carga da Divisão Lavalleja, desmembrando-se em parte. Pelo lado esquerdo, a mesma Divisão carregou sobre os milicianos de Abreu que, em confusão e entremeados com o inimigo, vieram de encontro à 2ª Divisão. O General Calado foi obrigado a receber a fogo a avalanche mesclada de uruguaios e brasileiros. Foi quando tombou mortalmente ferido o Marechal Abreu, com certeza atingido pelos defensores. Era uma perda muito grande. Abreu apresentara-se como voluntário para esta campanha. Homem simples, de poucas letras, lutara a vida toda e de soldado chegara a Marechal.
Calado repeliu sucessivas cargas inimigas. Sua Divisão achava-se muito afastada da Divisão Barreto e o intervalo entre as duas unidades constituía grave ameaça. Barbacena ordenou então que a 1ª Divisão cerrasse sobre a 2ª, mas isto já não era possível. A Divisão Calado estava desfalcada da 3ª Brigada de Cavalaria, deslocada para cobrir o flanco da 1ª Divisão, após a retirada de Bento Gonçalves. Iniciou-se assim o recuo da 1ª Divisão. Já eram 14 horas, a batalha durava mais de seis horas, sem resultado decisivo. Os argentinos e orientais arremetiam em cargas furiosas, mas eram contidos pelas formações em quadrado de Barreto e de Calado. O fogo que se propagara à macega ressequida do terreno em que estavam os brasileiros, impulsionado por um vento forte, tornava o ambiente insuportável, pela fumaça e pelo calor. Escasseava a munição.
Barbacena então resolveu interromper o combate, apesar da insistência de Brown, que persistia na idéia de renovar as ações ofensivas. O movimento de retirada fez-se lento e ordenado pela estrada de Cacequi, marchando na frente a 1ª Divisão. A Divisão Calado conteve os últimos ataques inimigos. Os argentinos e uruguaios, cansados e abalados pelos insucessos das cargas, não efetuaram perseguição. Apenas o Coronel Lavalleja, com uma tropa de cavalaria, acompanhou o deslocamento à distância, sem disparar um tiro.
Alvear pensava em reunir as forças e retornar para o Passo do Rosário. Temia a chegada de reforços imperiais. A luta durara cerca de oito horas consecutivas e pouco mais de 5 mil brasileiros enfrentaram um efetivo de mais de 8 mil platinos. As perdas foram muito grandes, em ambos os lados. Segundo o Barão do Rio Branco, tivemos uns 200 mortos e 150 feridos ou prisioneiros além de 80o extraviados. Nossos adversários tiveram cerca de 150 mortos e 250 feridos. A brigada de cavalaria de Bento Manuel não tomou parte na batalha. Perdeu o contato com o inimigo e não buscou restabelecê-lo. O historiador Tasso Fragoso diz o seguinte:
'É difícil, senão impossível, liquidar hoje esse ponto controverso. Os contemporâneos guardaram da ausência do comandante da 1ª Brigada Ligeira impressão muito desagradável. (...) Quaisquer, porém, que tenham sido as causas determinantes de seu procedimento, minha impressão pessoal é que em nenhuma delas se poderia descobrir seja temor, seja falta de patriotismo'.
Barbacena retirou-se na direção do passo do Cacequi, transpôs o Ibicuí e acampou na margem direita. Em seguida, por São Sepé, atravessou o Jacuí na Passo de São Lourenço e estacionou na margem norte daquele rio. Deixara em São Sepé toda a cavalaria ao comando do General Barreto. A intenção de Barbacena, ao que parece, era estabelecer uma defensiva protegido por um obstáculo apreciável, mas deixava a descoberto o caminho para Porto Alegre. O General Alvear, do Passo do Rosário, voltou a São Gabriel e logo depois ao arroio Los Currales, onde chegou a 19 de março. A 13 de abril deixou Los Currales e, com tropas a pé, reocupou Bagé. Segundo ele, era uma segunda invasão do Rio Grande. Após algumas ações de pequena importância, em contatos com destacamentos avançados de Barreto, em Santa Tecla e no Camaquã, pretendia Alvear investir novamente sobre o Rio Grande. A 9 de maio de 1827 o Coronel Bonifácio Isas Calderón surpreendeu o quartel-general de Oribe em Cerro Largo, aprisionando o chefe uruguaio e capturando muito material inimigo.
O exército argentino rumou depois em direção a Melo, onde chegou a 10 de junho e de onde Alvear oficiou ao Ministro da Guerra, informando sobre o deplorável estado de suas forças e concluindo pela conveniência de abandonar a luta por algum tempo."
Exérito Brasileiro |