| Alzira Vargas (1914-1992) nasceu em São Borja (RS), filha de Darci Sarmanho Vargas e de Getúlio Vargas.
Com a vitória da Revolução de outubro de 1930, liderada por seu pai, e com a posse deste como presidente da República, Alzira, ainda adolescente, veio morar na então capital federal, onde concluiu o curso ginasial no Colégio Aldridge, em 1932. No ano seguinte, ingressou na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, diplomando-se no ano de 1937. Ainda estudante, iniciou-se na vida política, trabalhando como bibliotecária e arquivista do pai.
Depois de temporada nos Estados Unidos, entre meados de 1935 e maio de 1936, retornou ao Rio de Janeiro e ampliou suas atribuições como auxiliar direta do presidente. Assumiu a tarefa de intérprete e responsável pela correspondência de Vargas com o governo norte-americano. Finalmente, em 1937, foi oficialmente nomeada por ele auxiliar do Gabinete Civil da Presidência da República. A decretação do Estado Novo, em novembro de 1937, fortaleceu a posição de Alzirinha – como era conhecida – que, segundo depoimento prestado ao CPDOC da Fundação Getulio Vargas (FGV), agregou às suas tarefas as funções de interlocutora informal do governo com a sociedade.
No dia 11 de maio de 1938, durante o ataque dos integralistas ao Palácio Guanabara, residência presidencial, Alzira participou da resistência. Nas memórias que escreveu sobre esse episódio, pôs em dúvida a lealdade de algumas autoridades no auxílio ao palácio assediado. Em 1939, casou-se com o comandante Ernani do Amaral Peixoto, responsável por pilotar o avião que levava o presidente a Caxambu e Poços de Caldas, em suas temporadas de verão, e que também já despontava como liderança política dentro do Partido Autonomista. Por ocasião do casamento, Ernani havia sido nomeado interventor federal no estado do Rio de Janeiro.
A recusa de Alzira em vestir um tradicional vestido de noiva na cerimônia nupcial pode ser lida como um atitude de inconformismo com o papel feminino. Deste casamento nasceu a filha Celina. Durante a Segunda Guerra atuou, juntamente com o marido, como mensageira de Vargas para Roosevelt, presidente norte-americano. Por conta disso, realizou várias viagens aos Estados Unidos. Ainda como mulher do interventor federal no estado, criou na capital, Niterói, a Fundação Anchieta, as Escolas de Enfermagem e de Serviço Social, atualmente integradas à Universidade Federal Fluminense. Também fundou, em Petrópolis, a Maternidade Divina Providência.
O processo de redemocratização do país, em curso ao longo do ano de 1945, possibilitou-lhe exercer uma intensa vida política, pois coube a ela a articulação para formar o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), destinado a concorrer com o Partido Comunista Brasileiro (PCB), que fora legalizado no mesmo ano de 1945 e desenvolvia intensa atividade no meio sindical. No dia 15 de maio deste ano o PTB foi criado, mas Alzira não integrou seus quadros. Na realidade, nunca se aliou a nenhum partido político. Com a queda de Vargas em 29 de outubro de 1945 e seu exílio em São Borja, Alzira permaneceu no Rio de Janeiro, mantendo intensa ligação com seu pai e os meios políticos. Fazia o que gostava, mesmo atuando discretamente.
Vargas retornou, triunfalmente, à presidência da República nas eleições de 1950, e Alzira passou novamente a desempenhar funções públicas. Entre 1952 e 1953 participou das delegações brasileiras às Conferências Internacionais do Trabalho, promovidas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), órgão das Nações Unidas, em Genebra, Suíça. Fez parte da comissão de colaboradores de Josué de Castro, presidente da recém-criada Comissão Nacional do Bem-Estar Social. As atividades que desenvolvia estavam de acordo com o que a sociedade brasileira entendia que deveria ser o papel das mulheres da elite. O talento político de Alzira ficou restrito ao trabalho nas obras assistencialistas do governo e aos bastidores da política. Tornou-se, porém, de fato, a principal auxiliar de Vargas.
Nos episódios que culminaram com a crise de agosto de 1954, Alzira revelou-se uma habilidosa articuladora política. O assassinato do major Rubens Vaz, no dia 5 de agosto de 1954, desencadeou uma enorme reação nos meios político-militares. O inquérito policial realizado no Galeão implicava membros da guarda pessoal do presidente e fez crescer a pressão para que Vargas renunciasse. A alta cúpula da Aeronáutica e do Exército conspirava abertamente. O marechal Mascarenhas de Morais e o general Zenóbio da Costa, ministro da Guerra, procuraram Getúlio tentando arrancar sua renúncia ou um pedido de licença.
Diante de tanta pressão, Vargas convocou uma reunião do ministério para discutir a questão, e Alzira foi chamada às pressas. Naquele momento seu marido era o governador eleito do estado do Rio de Janeiro. Durante a reunião, ao ouvir o relato do ministro Zenóbio da Costa sobre o manifesto que 80 generais haviam assinado, Alzira pediu a palavra e contestou duramente esse relato, afirmando que eram apenas 13 assinaturas e que, dentre os que haviam assinado, só o general Henrique Lott tinha posto de comando. Acrescentou que a Vila Militar não aderira até então ao movimento, mostrando-se muito bem-informada sobre a movimentação dos golpistas nas Forças Armadas. Alzira concluiu dizendo que a crise não passava de uma conspiração de gabinete. O ministro da Guerra retrucou que sua intenção era apenas de alertar quanto à extensão da crise e preservar a integridade do governo. Alzira pediu desculpas ao seu pai e retirou-se da reunião.
O chefe do Gabinete Militar da Presidência da República, Aguinaldo Caiado de Castro, favorável à resistência ao golpe, e o general Zenóbio, ministro da Guerra, com a posição de que era inútil resistir, colocaram um impasse na reunião. Vargas encerrou-a afirmando que a sua licença era condicionada à manutenção da ordem pelos militares. Mais tarde, Alzira e seu tio Benjamim Vargas foram encontrar Getúlio em seus aposentos do Palácio do Catete, onde houvera a reunião ministerial. Na presença de ambos, Getúlio mostrou a chave de um cofre e pediu que retirassem alguns valores e papéis importantes caso alguma coisa lhe acontecesse.
Às seis horas da manhã do dia 24 de agosto de 1954, Alzira voltou ao quarto do pai para pedir autorização, em nome de alguns oficiais do Exército, para deter, em seu nome, os líderes do movimento, os militares Juarez Távora e Eduardo Gomes. Vargas respondeu-lhe que era inútil, porque o vice-presidente Café Filho já iniciara os contatos para formar o seu ministério. Alzira retirou-se do quarto do pai e, ainda no palácio, recebeu um telefonema do general Ciro do Espírito Santo Cardoso comunicando que os generais reunidos com Zenóbio da Costa haviam decidido que a licença de Vargas da presidência não seria de dois meses, como havia sido acertado na reunião, mas definitiva.
Essa conversa telefônica foi interrompida por alguém que comunicava a Alzira que Vargas havia dado um tiro no peito. Na mesma manhã, Alzira abriu o cofre, como prometera ao pai, e retirou os papéis, entre os quais havia duas cópias da famosa Carta-Testamento. O documento foi distribuído para a imprensa e emocionou o Brasil de norte a sul. Horas depois, as ruas da capital receberam uma multidão triste e indignada que atacou os prédios reconhecidos como pertencentes aos inimigos de Vargas, como a embaixada americana, e fez uma fila de alguns quilômetros para ver o esquife do presidente.
Calcula-se que mais de um milhão de pessoas acompanharam o corpo de Vargas até o Aeroporto Santos Dumont, de onde foi levado para São Borja (RS) para ser enterrado. Em 1955, Amaral Peixoto deixou o governo do estado do Rio de Janeiro e foi nomeado embaixador do Brasil em Washington, nos Estados Unidos. Alzira acompanhou-o, e permaneceram lá até 1959. Voltando ao Brasil, publicou, em 1960, uma biografia, 'Getúlio Vargas, meu pai'. Com a morte da mãe, em 1968, assumiu seu lugar na presidência da obra assistencial criada por Dona Darci, a Casa do Pequeno Jornaleiro, no Rio de Janeiro. Durante todos esses anos participou da vida política nacional através do marido, que foi presidente do Partido Social Democrático (PSD), de 1952 até sua extinção pelo regime político-militar, em 1965.
Como vinha organizando os arquivos do pai desde 1930, nos anos 1970 doou os papéis particulares que havia conservado ao CPDOC da Fundação Getulio Vargas (FGV), instituição criada por sua filha Celina Vargas do Amaral Peixoto, que exerceu por longo tempo a direção deste centro de documentação e memória política. Fiel, à sua maneira, à tradição de que o mundo da política era um espaço masculino, Alzira, apesar do enorme talento para o exercício da vida pública, ficou sempre em posição de auxiliar do pai e do marido. Faleceu no Rio de Janeiro, no dia 26 de janeiro de 1992.
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FONTES:
1. Alzira Abreu e Israel Beloch, Dicionário histórico-biográfico brasileiro;
2. Alzira Vargas do Amaral Peixoto, Getúlio Vargas, meu pai;
3. Ângela de Castro Gomes, “A guardiã da memória”.
4. "Dicionário Mulheres do Brasil - de 1500 até a atualidade" - organizado por Schuma Schumaher e Érico Vital Brazil
Pesquisa: Luiza Voigt
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